ENTREVISTAS E DEPOIMENTOS - Pedro Calapez

Pedro Calapez, artista
(entrevista realizada em Maio 2010)

O Pedro estudou nas Belas Artes e não chegou a acabar o curso, ou chegou?

R: Não. Eu entrei para as Belas Artes a seguir ao 25 de Abril, aliás no ano de 1976/1977 (que acho que é o ano em que o Cabrita entra também. A Ana Léon também entra nesse ano, mas o José Pedro Croft já lá estava, creio). Eu andei a estudar engenharia antes, por isso (e apesar de ser mais velho) só entrei na Escola em 1976/1977.

Portanto foi contemporâneo deles embora não tendo estado todos no mesmo ano.

R: Conheci-os todos na Escola, embora não tenhamos sido colegas nas mesmas turmas. Só o Rui Sanches é que conheci já no princípio dos anos 80 quando ele voltou de Yale. Tínhamos um amigo comum (o André Gomes) e foi ele que nos apresentou.

Nestes primeiros anos a vossa proximidade devíasse sobretudo a relações de amizade e de cumplicidades eventuais do tempo da Escola.

R: Sim, fomo-nos conhecendo lá. O Cabrita era o impulsionador da “Arte Opinião”, a revista da Associação de Estudantes, eu também fiz uma capa para a revista, a Ana Léon também estava metida nisso e o Zé Pedro também.

Começaram a fazer as primeiras exposições juntos em 1982?

R: Sim, no CAPC. Há duas exposições: uma primeira em que está a Ana, o Zé Pedro, eu e o Cabrita e uma segundo em que penso que está já também a Rosa Carvalho. 

Eu no final dos anos 70 trabalhava muito próximo com a Ana Léon, aliás, temos desenhos que fizemos a dois (ela fazia uma parte e eu fazia outra) e depois surgiu a oportunidade de fazermos duas exposições juntos: uma exposição de desenhos na SNBA e a exposição “Azul, Vermelho” na Diferença.

Eu já tinha participado em algumas exposições colectivas antes disso, algumas exposições de fotografia no CAPC e na SNBA (porque eu fazia fotografia profissionalmente na altura. Venho até referenciado como fotografo naquela publicação do Sena da Silva).

É curioso porque quando pensamos nos grupos artísticos, sobretudo os que marcaram a primeira metade do século XX – os surrealistas, os futuristas, por exemplo – todos eles têm um programa estético, conceptual muito marcado que é exactamente o que não acontece com estes grupos que se formam nos anos 80 e em particular com o vosso. Havia um distanciamento em relação ao discurso e à produção de discurso teórico sobre as peças ...

R: Como estava tudo muito a fervilhar, estávamos muito no início de várias coisas, aliás há várias exposições do princípio dos anos 80 que congregam várias pessoas e que são determinantes. Por exemplo uma é a “Lis’81”. Eu privei bastante com o Ernesto de Sousa mas não participei na “Alternativa Zero”, que foi também uma exposição historicamente importante.

Cada um estava a fazer o seu trabalho e havia, a certa altura, um enorme respeito pelo trabalho dos outros. Nós tínhamos todos outros artistas que gostávamos da geração anterior sobre os quais éramos muito consensuais. Havia grande admiração pelo Álvaro Lapa, na altura (estou a lembrar-me agora dele porque me influenciou muito também). Havia assim um conjunto de artistas que as pessoas respeitavam e para além disso acreditávamos no trabalho uns dos outros e, a certa altura, gerou-se a possibilidade de expôr no CAPC. Eu conhecia a Túlia Saldanha através do Ernesto, ela tinha feito uma exposição na Diferença, o CAPC estava a ganhar um certo elan em termos de convites e a certa altura propôs-se uma exposição e nós decidimos fazer então uma exposição de grupo.

E o que é que recorda dessa primeira exposição de 1982 lá no CAPC?

R: Foi uma exposição muito curiosa, há uma relação de construção de uns relativamente aos outros. Não sei se fomos ver o espaço primeiro, acho que sim, e depois imaginámos, cada um por si, os trabalhos que íamos fazer. Acho que o Cabrita até fez uma série de coisas directamente lá. Ele tinha uns plásticos amarelos desenhados a marcador preto e que se relacionaram directamente com algumas peças do Zé Pedro. Eu tinha uns desenhos muito grandes que se ligavam a alguns volumes da Ana mas também às peças do Zé Pedro – são uns desenhos a grafite porque eu nesses anos tenho muito trabalho a grafite. Até me lembro que esses meus desenhos na exposição no CAPC foram redimensionados, porque a montagem foi uma montagem colectiva (aliás como foi a seguir e como foi também o “Arquipélago”), em que todos estávamos e começámos a ver onde é que poderiam ir os trabalhos. Portanto nessa série de seis desenhos há dois mais estreitos que têm a ver precisamente com as dimensões do corredor onde foram colocados. A montagem foi feita, portanto, numa inter-relação e em todas as salas havia peças de todos os artistas. Todos os trabalhos estavam misturados.  

E em relação à exposição na Galeria Metrópole, em 1983?

R: Também as coisas estavam muito misturadas. Há aquele catálogo cinzento, todo em serigrafia, que tem uma serigrafia em que cada um de nós desenhou o retrato do outro e em que fizemos uma serigrafia cada um. Foi o António Inverno que imprimiu. Eu não me lembro se havia um tema, mas as coisas ganharam muito um tema bélico porque as peças do Zé Pedro eram uns radares, as minhas eram uns canhões (eu também andava a fazer umas coisas na altura que tinham a ver com pistolas). Mas não me lembro o que eram os outros trabalhos, porque o catálogo não tinha a ver com a exposição, era mais um objecto paralelo. As peças do Zé Pedro eram uma espécie de discos com uns espigões. As minhas coisas eram uns canhões, uns tanques e já não eram grafite, já eram pastel sobre madeira.

Portanto, houve esse evento de fazer o catálogo e a exposição paralelamente em que as pessoas desenvolveram o trabalho que entenderam e que depois foi montado também colectivamente.

Chegamos a 1985 e dá-se a possibilidade de fazerem a exposição na SNBA.

R: Para mim ela vem no seguimento destes eventos todos e por acaso juntou-se o Rui, porque o Rui entretanto tinha-se vindo a aproximar de nós. Encontrávamo-nos muito, convivíamos muito e portanto fez sentido juntar o Rui nesta exposição.

Uma vez que tinham a oportunidade de expôr naquele espaço, não houve nenhuma determinação que tivesse estado na base desta exposição?

R: A vontade era fazer sempre cada vez melhor, cada vez maior, cada vez mais. Começámos em espaços pequeninos e agora queríamos agarrar aquele espaço. Numa conversa decidimos que queríamos fazer uma exposição maior e então fomos para o lugar emblemático de um determinado status que era a SNBA e fomos pedir o salão para nós. Isso era, de alguma forma, novo. Eram poucos os exemplos. Tinha havido a grande exposição do Pedro Chorão no final dos anos 70, houve também a grande exposição do Noronha da Costa, portanto havia uma certa tradição escassa de algumas exposições à parte dos salões que se faziam regularmente.

Dois anos antes de o “Arquipélago” acontecer na SNBA, aconteceu o “Depois do Modernismo” na qual o Pedro é o único do grupo a ter participado. Como é que viveu na altura essa participação no “Depois do Modernismo”, dado que foi historicamente um momento importante.

R: Eu não sei se estaria um pouco fora da coisa. A minha participação surge de uma oportunidade de expor na SNBA com um elenco de gente que era gente que eu conhecia. Foi o Luís Serpa (que coordenava a exposição e que tinha visto o meu trabalho) que me convidou. Não considerei a participação na exposição como o facto de estar ligado a um ideário. Da parte da organização havia um programa, mas da minha não. Eu participei achando que “se ele acha que eu encaixo numa atitude qualquer, muito bem” mas eu, não tendo nenhum problema com a temática, não tinha uma consciência de participação activa sobre as questões que estavam a ser propostas. Não tinha nenhuma intenção de fazer um statement dizendo “agora sou pós-moderno”.

Mas, não há dúvida nenhuma, que a atitude pós-moderna que é uma atitude que acaba por permitir que os artistas se libertem, no sentido de usarem técnicas de apropriação, de voltarem à pintura, de mexerem com o passado e de misturarem tudo, de facto, é um ideário dos anos 80.

Sim, era o ar do tempo. Quando pensamos nesta exposição e no evento em si, com a valorização da Arquitectura, com o trazer da Moda para o contexto, com os debates todos que surgiram na altura, claro que temos que o considerar como um momento chave e marcante no nosso panorama, mas a exposição em si pecava ainda um bocadinho por apresentar uma série de nomes e de presenças ligadas a uma outra conjuntura. Portanto, enquanto exposição acaba por não ser exactamente o momento inaugurador desta nova dinamica. Isso acaba por acontecer muito mais com a exposição “Arquipélago”. Está de acordo?

R: Olhando agora para trás, dessa maneira, penso que sim. Embora ela não pretendesse ser nada disso. Se calhar ela pode ser alguma coisa lida por quem está de fora neste momento mas ela não pretendeu ideário nenhum, não fez manifesto. Era só: “Nós estamos aqui, fazemos imenso trabalho e somos bons no nosso trabalho, porque achamos que fazemos bem”.

Apesar de não saber fazer crítica das exposições, do meu ponto de vista foi para mim muito mais significante estar nesta exposição mais pequena, mais coesa.

A propósito disso que diz, eu li uma entrevista ...

R: É o “Nós somos os melhores”, não? Já não me lembro quem é que largou a frase mas eu acho que tinha a ver com isto mesmo, pelo menos em mim nunca estaria a ideia (até pela minha maneira de ser e de estar) de afirmar que eu sería melhor que todos os outros. Havia sobretudo uma consciência afirmativa de que “nós fazemos este trabalho e acreditamos nele e somos realmente bons nele”. E, de facto, as pessoas que nós mais admirávamos e que estavam a fazer trabalho na mesma geração que nós, eram estas pessoas, éramos nós. Haveria outros, há uma nova geração que está a aparecer nessa altura e que também nos interessava muito, como o Pedro Casqueiro e a Ana Vidigal, mas relativamente à nossa geração havia um grande acreditar no trabalho uns dos outros. Não havia programa nenhum e aliás não há nenhum desenlace. Esta exposição fez-se como outras e a seguir as pessoas foram afirmando os seus percursos individualmente. Foi tão importante para mim como o período em que trabalhei a dois com a Ana Léon. Foi fundamental ter feito aquilo porque nos deu outra consciência sobre o trabalho, e o “Arquipélago” foi igualmente importante. Portanto é tudo uma questão de prática. E sobretudo na Pintura havia, à época, muito a sensação, à parte de alguns pintores, de um mastigar de coisas que vinham dos anos 70 e que não nos serviam de paternidade. No momento em que eu comecei a pintar e antes até de ir para a Escola de Belas Artes, o Noronha da Costa era uma grande referencia para mim, e portanto é na minha opinião uma dessas excepções. Tenho até uma série de quadros dessa altura que têm a ver não só com os ambientes românticos que ele criava mas também com a própria técnica das sobreposições que ele usava. E se por um lado tinha o Noronha, por outro tinha aquela força poética do Álvaro Lapa.

Gostava de falar um bocadinho agora da exposição propriamente dita. Do catálogo e da montagem. O catálogo acaba por não ser um objecto que documente a exposição, provavelmente porque teve de estar pronto antes?

R: Precisamente. Não documentava a exposição porque não era possível, tinha que ser apresentado com a exposição. O Pedro Cabrita, por exemplo, tinha o trabalho dele em processo de execução quando foi fotografado. As minhas pinturas correspondem e os desenhos da Ana Léon também, creio. O que não há, e é pena, são vistas da exposição.

Em relação aos textos que estão no catálogo, como é que chegaram àqueles nomes? Que tipo de abordagem é que procuravam?

R: O Fernando Azevedo apareceu porque fazia parte da SNBA. O Bernardo aparece porque estava ligado à Árvore e nós dávamo-nos bastante com ele. A exposição era para ir lá, depois não se conseguiu já não me lembro porquê. A Maria Filomena Molder apareceu porque nos dávamos com os Molder’s já na altura e era um nome que não era habitual.

Em relação à suas peças, na informação que recolhi dos outros artistas foi-me dito que as obras foram todas concebidas propositadamente para o contexto da exposição. Em relação especificamente às suas, elas faziam parte de alguma série em que já estivesse a trabalhar ou foi uma coisa que surgiu de novo?

R: Os meus anos 80 são muito variados, o que eu sempre considerei muito natural porque eu sempre precisei de fazer muitas coisas. E na altura muito mais, estava a experimentar muitas coisas diferentes. Essa prática a grafite, de que falei à pouco, transformou-se numa prática a pastel e eu fiz vários trabalhos a pastel de óleo. Estes do “Arquipélago” têm depois um desenvolvimento na exposição que fiz na Quadrum em 1986. São quatro pinturas diferentes (trípticos), todos com citações arquitectónicas. Acho que são coisas mesmo novas, acho que eu não tinha feito nada assim antes. Aqui há como que um abrir para esse trabalho sobre a Arquitectura e são coisas com geometrias marcadas. Depois disso faço mais um que exponho na Diferença e depois mais uma série de outros que exponho na Quadrum em 1986. E depois mantenho essas estruturas arquitectónicas, vou pintar sobre tela e dá-se a minha exposição de 1987 na Galeria Valentim de Carvalho. Há portanto uma passagem por muitas técnicas diferentes, embora os ambientes de representação de espaços se mantenham. Fiz uma grande série sobre a ideia de apropriação a partir do Giotto e do Fra Angelico e acabo por fazer muitos desenhos que têm a ver com o ciclo de San Marco do Fra Angelico. Esses desenhos são todos a pastel mas representam muitas estruturas arquitectónicas e muita marcação de espaços com linhas e isso é exactamente o que se transporta para esses quadros do “Arquipélago”.

Havia esta vontade de sugar as fontes, qualquer coisa que se via ou a que se tinha acesso. Via-se um livro e apetecia logo pintar a partir dali. Lembro-me que o Zé Pedro (talvez uns dois anos antes) andava à volta de referências egípcias (os hieróglifos), tem aliás uns trabalhos de incisão que têm a ver com isso, e ao mesmo tempo das referências ao Giacometti. E eu andava um pouco interessado nos pré-renascentistas mas também em estruturas clássicas de Arquitectura. Tudo o que nos aparecia era utilizável.

Havia essa grande avidez.

R: Perfeitamente.

Em relação à montagem da exposição, houve a ideia de usar o salão sem as divisórias que normalmente eram utilizadas nas exposições salon, e portanto usar o espaço aberto e serem apenas seis artistas a tentar abarcar e aguentar aquele espaço amplo e muito grande. Era uma premissa vossa?

R: Era pois, a vontade era atirar com os painéis todos para fora dali. E foi um momento especialmente bonito do salão, porque o espaço estava todo aberto. E a montagem resultou depois do nosso olhar colectivo (ver onde é que cada coisa poderia funcionar). Estivemos lá um bocado a discutir as possibilidades.

Mas havia portanto uma preocupação de poder estabelecer pontos de dialogo entre os trabalhos, sem pré-definir um percurso ao espectador.

R: Sim, mas nesse sentido era muito diferente da exposição no CAPC. Enquanto que aí havia uma construção quase de peça para peça e o encontrar de relações, aqui há uma certa autonomia de espaços. O Cabrita tem aquela parede do lado esquerdo. Depois eu estou na outra parede do lado de lá. A Ana Léon está ao fundo a fazer a parede do fundo. Há um espaço grande entre as minhas pinturas e as pinturas da Rosa. As peças do Rui e as do Zé Pedro tinham também os seus espaços. Havia como que uma autonomia, apesar de haver uma coexistência no espaço. No fundo havia uma individualização mostrando já que cada um estava a fazer o seu percurso. Havia como que um statement de cada um: “Eu faço isto, tu fazes aquilo e estamos aqui todos juntos”.  

Pois, daí também o terem encontrado este termo feliz de “Arquipélago”. Este conjunto de ilhas que apesar de individuais, coexistem e emergem juntas.

Depois desta exposição houve uma outra que se chamou “Cumplicidades”.

R: Mas essa exposição é uma exposição de galeria, que só tem quatro dos artistas (dos quais três trabalham com a galeria - o Zé Pedro, o Rui e eu. Eu tinha saído da Quadrum e tinha entrado para a Valentim de Carvalho, pouco depois do Zé Pedro e do Rui Sanches. Acho que o Pedro Cabrita trabalhava com os Cómicos. Não sei como surgiu mas não tem o espírito do “Arquipélago” ou das exposições anteriores. Foi uma iniciativa da galeria e correspondia a um interesse de mercado da galeria e a um statement da galeria, mais do que nosso. 

A partir daí só coincidimos em algumas colectivas, não mais como os amigos da escola que continuavam a fazer exposições em grupo. O mercado também se começou a desenvolver e as pessoas começaram a afirmar mais o seu trabalho individualmente. Há iniciativas mas partem de críticos (como a primeira exposição que a Atlântica faz, por exemplo). Portanto os encontros são depois fortuitos e resultado de iniciativas de curadores.

Uma das críticas que é muito apontada pelos artistas dos anos 90 aos artistas dos anos 80 é o facto de se terem pautado estritamente por valores individuais e terem deixado de lado as preocupações sociais. De que forma é que via este tipo de críticas?

R: Nos nossos almoços e jantares e pequenos-almoços e festas e encontros e nas várias situações em que discutíamos Arte e o fazer Arte nunca o fizemos numa perspectiva de ter um movimento ou de ter uma tomada de posição. Eu acho que muitos de nós fizemos muito trabalho social e colectivo sem o trazer para o campo da Arte, estivemos conotados e engajados nalgumas lutas politicas intensas antes da Escola mas encarámos sempre a Arte como uma coisa outra, como um campo para outro tipo de afirmações não exactamente politicas. Era um campo no qual saudavelmente encontrávamos autonomia e autonomia perante nós próprios e por isso a afirmação “Eu sou isto” e não “Eu sou isto em comparação ou em relação com outros”.

Mas eu acho que nenhum de nós se deu ao trabalho de responder porque são campos que não nos interessam, pelo menos a mim não me interessam. Há uma coisa muito importante que é o facto de nós nunca termos afirmado o nosso trabalho contra o trabalho dos outros, nunca tivemos essa necessidade, porque o nosso trabalho era suficientemente forte para se impor.

Que ecos registou da reacção do público à exposição?

R: Nós conseguimos uma enorme movimentação de massas porque a coisa foi passando de voz em voz e juntou-se uma multidão. Isso, na minha opinião, foi uma coisa sem precedentes. Provavelmente também tinha a ver com a frequência que fazíamos de certos espaços de convívio nocturno – o Frágil – com a ligação que tínhamos às pessoas da Moda, ao Manuel Reis, à Ana Salazar, e à gente nova ligada à Moda que apareceu na altura – a Inês Simões, o Victor Neto. Eram tudo pessoas que estavam num híbrido e que já faziam parte dessa teia de relações. Embora nós estivéssemos estanques, porque o nosso trabalho era um trabalho virado para a Arte, para a produção de objectos artísticos dentro de uma investigação pessoal, estávamos também muito em contacto com outras áreas. Aquela festa que o Alexandre Melo organizou no Trumps e todo esse tipo de mistura com o mundo da noite. Eu tinha estado ligado ao mundo dos travestis através do André Gomes. Portanto estávamos todos a misturar áreas da criação.

Resumindo, estava cheio o salão. Nem nunca tivemos outra coisa igual.

E que trabalho de promoção fizeram?

R: Foi através da Rosarinho Sousa Machado e do Zé Sousa Machado (que aparece através do Zé Pedro penso eu) e que acabam por ajudar-nos nesse lado da promoção mediática do acontecimento.

Há uma entrevista em que já não sei qual de vocês diz qualquer coisa como: “Vimos anunciar a inexistência do inimigo”. Portanto é isso, não estavam contra ninguém.

R: Precisamente. Esses grupos dos anos 90 parece que precisavam dessa referência para se poderem afirmar dizendo “Nós não somos isto”. Nós não tivemos que dizer que não éramos aquilo, nós éramos o que éramos.

E acabaram por conquistar um espaço sem fazer disso um panfleto. E acabaram por construir naturalmente um certo território marcado por um cosmopolitismo que não correspondia propriamente à imagem do país. Também era para isso que trabalhavam?

R: Quer dizer, nós trabalhávamos ... e não havia propriamente objectivos para atingir. O objectivo era trabalhar e ser bom.